O
sentido pleno da castidade
Por Karol Wojtila
Vamos agora esclarecer o problema da castidade na sua
totalidade. (...) O homem não quer reconhecer o grande valor com que a
castidade contribui para o amor humano, quando se recusa a reconhecer a plena e
objetiva verdade sobre o amor entre mulher e homem, substituindo-a pela ficção
subjetiva. Quando aceitar esta verdade objetiva sobre o amor na sua totalidade,
então também a castidade mostrará o seu pleno valor, revelando-se um grande
fator da vida humana, um indício principal da “cultura da pessoa”, que por sua
vez constitui a raiz essencial de toda a cultura humana.
Não é
possível compreender o pleno sentido da virtude da castidade se não se
compreende o amor como função de relacionamento pessoal, como função
orientadora da união das pessoas. (...) Só as manifestações
psicológicas não bastam. O amor só chega ao amadurecimento psicológico quando
possui um valor ético, quando chega a ser a virtude do amor. Somente no amor
transformado em virtude realizam-se as exigências objetivas da norma
personalista, que exige precisamente que a pessoa seja “amada”, e rejeita que a
pessoa seja “usada”. (...) Às vezes chama-se “manifestação do amor” ou
simplesmente “amor” àquilo que, após o aprofundado exame crítico, não demonstra
a verdadeira realidade ética do “amor”. Pois, apesar das aparências, não é mais
que uma forma de “usar” a pessoa. (...)
A
castidade não pode ser compreendida sem a virtude do amor. A tarefa da castidade é libertar o amor da
atitude utilitarista. (...) A atitude utilitarista é tanto mais perigosa
quanto mais se esconde na vontade. O “amor pecaminoso” é chamado com muita
frequência não “pecaminoso”, mas simplesmente “amor”. Tenta-se impor (a si
mesmo e aos outros) a convicção que é realmente assim e que não pode ser de
outra maneira. Ser casto significa relacionar-se de maneira “transparente” com
a pessoa de outro sexo. A castidade equivale a deixar “transparecer” o
interior. (...) Na realidade o amor não será
amor até que o desejo de “uso” (prazer) não estiver subordinado à disposição de
“amar” em qualquer situação.
Esta atitude “transparente” para com as pessoas de outro
sexo não pode consistir num recalque artificial dos valores do corpo (em
particular do valor sexual) no subconsciente ou numa visão de aparente
racionalização como se eles não existissem ou não atuassem. Com muita
frequência, a castidade é concebida como um freio “cego” da sensualidade e dos
impulsos carnais que reprime subconscientemente os valores corporais e sexuais,
até que, dada a oportunidade, explodem. Tal compreensão da virtude da castidade
é evidentemente errônea. Se ela é vivida dessa maneira cria, na verdade, o
perigo de tais “explosões”. Tal concepção da essência da castidade faz com que
muita gente pense a respeito da castidade de maneira tão negativa. A castidade
é apresentada como “negação”, quando na verdade é “afirmação”. A incompreensão
do processo correto da virtude da castidade consiste em “não” destacar a
afirmação do valor da pessoa e enaltecer só os valores sexuais, que, dominando
a vontade, deformam todo o relacionamento com a pessoa de outro sexo. A essência da castidade consiste
precisamente em “destacar” em cada situação o valor da pessoa e tomá-lo como
referencial para “avaliar” as reações perante o valor do “corpo e sexo”.
Isso exige um sério esforço interior e espiritual. A afirmação do valor da
pessoa só pode ser fruto do espírito. Esse esforço, longe de ser negativo e
aniquilador, é altamente positivo e inteiramente criativo. Não se trata de
“destruir” os valores do “corpo e sexo”, reprimindo as suas vivências
inconscientemente, mas de integrá-los duradoura e permanentemente. O valor do
“corpo e sexo” deve estar fundamentado no valor da pessoa.
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Trecho do livro: “Amor e Responsabilidade”, de Karol Wojtyla
(Papa João Paulo II). São Paulo: Ed. Loyola, 1982.
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