Testemunha interior
Dos Livros “Moralia” sobre Jó,
de São Gregório Magno, papa (Séc.VI)
por Hélio Ferreira da Silva
"Quem é
escarnecido por seu amigo, como eu, invocará a Deus que o atenderá." Com frequência
o espírito fraco, ao receber o bafejo da fama humana por suas boas ações,
deixa-se levar para as alegrias exteriores, chegando a interessar-se menos pelo
que deseja interiormente. Deleita-se, então, languidamente no que ouve de fora.
Alegra-se mais por ser chamado de bem-aventurado do que por sê-lo de fato.
Esperando com avidez as palavras de elogio, abandona o que começara a ser.
Separa-se de Deus justamente naquilo que deveria ser louvado em Deus.
Às vezes, ao
contrário, o homem firma-se com constância no agir reto e, no entanto, é
maltratado pelas zombarias humanas. Faz coisas admiráveis e só encontra
opróbrios. Podendo exteriorizar-se pelos louvores, é repelido pelas afrontas e
volta-se para dentro de si mesmo. Em seu íntimo, enche-se de tanto maior força
em Deus quanto não encontra fora onde repousar. Fixa toda a sua esperança no
Criador e, entre as zombarias ruidosas invoca sua única testemunha, a interior.
Torna-se assim o espírito aflito, tanto mais próximo de Deus quanto mais
estranho aos aplausos humanos. Expande-se sem cessar em oração e, premido no
exterior, com mais nitidez se purifica para penetrar nos bens interiores. É com
razão, pois, que aqui se diz: Quem é escarnecido pelo amigo, como eu, invocará
a Deus que o atenderá, porque quando os maus censuram a intenção, os bons,
revelam que testemunha desejam para seus atos. O espírito ferido mune-se de
força pela oração e alcança ouvir dentro de si as palavras do alto por ter-se
separado do louvor humano.
É de notar a
justeza do inciso: como eu; pois há alguns que são depreciados pelas críticas
humanas, mas que não são atendidos pelos ouvidos divinos. Porque a zombaria
provocada pela culpa não importa em nenhum mérito da virtude. Ri-se da
simplicidade do justo: a sabedoria deste mundo está em esconder as maquinações
do coração, velar o sentido das palavras, mostrar como verdadeiro o que é
falso, demonstrar ser errado aquilo que é verdadeiro.
Pelo contrário, a
sabedoria dos justos consiste em nada fingir por ostentação; declarar o sentido
das palavras; amar as coisas verdadeiras tais como são; evitar as falsas; fazer
o bem gratuitamente; preferir tolerar de bom grado o mal a fazê-lo; não
procurar vingança contra a injúria; reputar lucro a afronta, em bem da verdade.
Zomba-se, porém, desta simplicidade dos justos porque para os prudentes deste
mundo a virtude da pureza de coração é tida por loucura. Tudo quanto se faz com
inocência, eles reputam tolice e aquilo que a verdade aprova nas ações, soa
falso à sabedoria humana.
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