“Deixai-vos reconciliar com Deus”

Deixai-vos reconciliar com Deus

(2Cor 5,20)

Reflexão feita aos seminaristas na “tarde de espiritualidade”, em 15 de março de 2011.

Por: P. Reginaldo de Souza Oliveira – reitor do seminário

Meus queridos seminaristas!

Estamos aqui, diante de Nosso Senhor e Rei, Cristo Jesus, exposto no altar. A ele sejam dadas toda glória e adoração. Ele, de fato, está vivo e nos amando neste momento, nos atraindo com seu Amor misericordioso e vivificante.

Pedimos-vos hoje, Senhor: não nos deixeis sair de mãos vazias, mas concedei-nos vossa graça santificadora para vivermos nova vida, para renovar os nossos corações e ter, em nós, restaurada sempre mais a vossa imagem. Pedimos-vos, Senhor, por intercessão de Vossa Santíssima Mãe e Senhora Nossa, a Bem-Aventurada Virgem Maria”.

Propomo-nos, neste breve, mas, queira Deus, intenso momento de espiritualidade, nos colocar debaixo da Palavra vivificante de Deus, nosso Pai, e deixar-nos moldar por ela. E queremos fazê-lo na medida em que vivemos esse tempo de graça e salvação que é a Quaresma. Deus nos reservou esse momento. E quer fazer-nos colher frutos de vida nova por ele. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação! Eis o apelo do Apóstolo: Não recebais em vão a graça de Deus! É a isso que nos propomos.

Eis o que podemos e queremos perguntar, neste início, a Jesus: “Senhor, o que quereis fazer em nós, o que quereis fazer em mim neste dia, neste santo tempo quaresmal? O que esperais, meu Senhor, de mim? Iluminai-me, ó Cristo, com a vossa luz e conduzi-me, e conduzi-nos! O que quereis, Senhor, realizar?”.

***

No início da Quaresma, ouvimos, na voz da mãe Igreja, o próprio Cristo falando-nos por meio do Apóstolo Paulo, Seu embaixador (cf. 2Cor 5,20 – 6,2): “somos embaixadores de Cristo, e é Deus mesmo que exorta através de nós. Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus. Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus”.

Deixai-vos reconciliar com Deus!” Esse é o desejo e o apelo de Cristo, o Filho amado. Mas, reconciliar-nos, por quê? A resposta é óbvia: porque nos afastamos de Deus, do seu desígnio original sobre nós, da verdade de nosso ser.

Precisamos nos dar conta disto: com o nosso pecado, com o pecado de Adão, nos afastamos do sonho de Deus, da nossa verdade. Começamos a viver aquilo que não “somos”. Instigados pelo Diabo, cedemos à fraqueza e à miséria. E estamos na miséria. Demo-nos conta disto. Senão, não haverá verdadeira conversão quaresmal: Eu “estou” aquilo que não “sou”.

E, o que eu sou? O que você é? Recordemos: Deus nos criou santos. Lembremos do relato da criação do homem. Lembremos do estado de Adão antes de pecar (Gn 1,26-27; 2,7-9). O Catecismo da Igreja Católica nos afirma: “O primeiro homem não só foi criado bom, mas também foi constituído em uma amizade com seu Criador e em tal harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava que só serão superadas pela glória da nova criação em Cristo (nº 374). E, mais ainda: “Interpretando de maneira autêntica o simbolismo da linguagem bíblica à luz do Novo Testamento e da Tradição, a Igreja ensina que nossos primeiros pais, Adão e Eva, foram constituídos em um estado ‘de santidade e de justiça original’. Esta graça da santidade era uma participação da vida divina” (nº 375). Eis o que, originariamente, somos: partícipes da vida de Deus, do seu Ser, de sua Santidade, de Seu Amor. Fomos criados à sua “imagem e semelhança”. Somos isto. Somos seres de corpo e alma, animais espirituais; somos gente que nasceu para amar. Nós nascemos para amar. Essa é a nossa vocação; essa é a verdade do nosso ser.

Porém, como é que nós estamos? Por causa do pecado original, estamos na miséria, estamos no egoísmo. Para constatar essa afirmação não é preciso nem crer. Basta sermos realistas, olhar para nós mesmos, para o nosso coração, e ao nosso redor e estaremos convencidos pelas inúmeras evidências. Estamos doentes de egoísmo. O ser humano “está” assim. Conseqüência do pecado!

Hoje, é importante dar-me conta disto: eu “estou” de um jeito que não “sou”. Meu ser, minha identidade mais profunda é o amor. Em uma palavra, é Cristo (no seu modo de agir, de pensar, de rezar, de entregar a vida, de querer e fazer o bem, de obedecer, de sofrer, de morrer e de ressuscitar). Eu “sou” tudo isso, mas “estou” em outro lugar. Em filosofia, isto é chamado de “estado de alienação”. Estou sendo outra pessoa, outra coisa daquilo que sou. Eu não sou como estou. Como eu me tornei diferente daquilo que sou!

Nesta Quaresma, fomos convidados pelo Papa Bento XVI a recordar e renovar em nós a graça do Sacramento do Batismo, suas exigências e obrigações (cf. Mensagem para a Quaresma de 2011). Pelo Batismo, fomos renovados, fomos feitos filhos adotivos do Pai, em Cristo Jesus, participantes de sua vida de amor. Ao me esquecer disto, ao não realizar aquilo que “sou”, afasto-me da verdade do meu ser, caio no pecado, e o resultado é o desânimo, o desgosto, a tristeza, o desalento, o vazio, a preguiça espiritual... E, vamos ser sinceros, desistimos, muitas vezes, do grande sonho de Deus para nós por que constatamos que, em nossa miséria, por nossas forças, não damos conta de alcançá-lo.

É imprescindível, então, um sincero e profundo exame de consciência diante do Senhor:

a) O que eu sou verdadeiramente? Para chegar à resposta, além de escutar Deus pela sua Palavra, escute, também, o profundo desejo de seu coração: desejo de bondade, desejo de amar, de santidade, de perfeição, de pureza, de ser feliz, de estar na paz e harmonia interiores... de estar em comunhão plena com Deus e em comunhão com os outros seres humanos, com seus irmãos... Todos nós, um dia, fizemos a experiência de desejar ser diferentes, ser melhores. É isto! Esse desejo corresponde ao que você é.

b) Como eu estou? Onde eu estou? Quais minhas misérias? Como se manifesta minha falta de amor para com Deus e para com o próximo? Como tem me faltado benevolência para com os outros? Quais meus egoísmos...?

Deixe o Espírito Santo ir falando ao seu coração. Seu coração vai se abrir à graça.

***

Até aqui nos limitamos a constatar a nossa situação, a descrever o nosso estado diante da nossa alta vocação; a ver a nossa impotência diante da grande tarefa de nossa vida, do grande sonho de Deus para nós, que é aprender a amar, que é amar como Cristo, participar de sua vida, que é amor. Porém, é preciso perguntar: qual a solução para esse impasse?

A esta altura, então, precisamos nos expor mais uma vez à Palavra de Deus, ouvida no início: “Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus. Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus”.

Atenção para a formulação do apelo: está na voz passiva: “deixai-vos reconciliar”. Quem nos reconcilia é Deus; dele vem a iniciativa! Jamais chegaríamos a ele se ele não nos amasse, não viesse até nós, não nos atraísse em Cristo. Jamais amaríamos se antes não tivéssemos sido amador por Ele. O que temos de fazer, então? Sabermo-nos infinitamente amados por Deus e não opor resistência à graça, não fechar o ouvido do coração! “Deixai-vos reconciliar!”, nos diz o próprio Cristo. Deixai que Deus, pelo Espírito do Filho aja em vós, deixai que Deus cumpra em vós a sua obra de salvação-reconciliação da humanidade! Deixai-vos reconciliar com Deus em Cristo! Sede dóceis à ação do seu Espírito em vós!

Eis porque, sobretudo neste tempo quaresmal, precisamos fazer penitência, jejum, obras de caridade, rezar com insistência e profundidade, sobretudo com a Palavra de Deus consignada nas Escrituras, fazer uma boa confissão sacramental; necessitamos suplicar a graça e a misericórdia de Cristo, vencedor do pecado e da morte. Ao fazê-lo, nos abrimos à sua ação. Ele nos dá o dom da reconciliação com Deus. Ele vem para nos santificar, para nos fazer “ser” no amor. Ele se fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus.

Sejamos, pois, humildes e confiantes diante do Senhor. Confessemos e choremos nossos pecados e nossa miséria, nossa impotência e nossa pequenez. E tenhamos fé e esperança nEle. Abramo-nos à sua graça e sua riqueza, ao seu poder e grandeza, ao seu amor. E, então, seremos santificados e viveremos bem a Quaresma. E, então, veremos o homem velho ir morrendo em nós. E, então celebraremos, com certeza, a Páscoa de Cristo em nossa vida!

É Quaresma! Será Páscoa outra vez!

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