Corações ardentes de Amor
O Concílio Vaticano II (1962-1965)
assumiu uma teologia que universaliza a vocação à santidade. Esta não é algo
extraordinário, mas o desenvolver da graça que adquirimos pelo batismo. O beato
João Paulo II na carta apostólica Novo
Millenium Ineunte afirma que perguntar se uma pessoa quer o batismo é
perguntar se ela quer ser santa (NMI, 31). São Paulo exorta-nos: “antes da
criação do mundo, nos escolheu para que, pelo amor, fôssemos santos e irrepreensíveis
em sua presença” (Ef1,4). Portanto, é o próprio amor de Deus a nos atrair,
desde toda a eternidade, para uma vida santa.
Destarte, a santidade consiste
numa resposta de amor a Jesus Cristo como ele próprio afirma – “Quem me ama
será amado por meu Pai.” (Jo 16,27) Neste mesmo caminho segue São Francisco de
Sales: “Alguns põem a perfeição na autoridade da vida, outros na oração, estes
na frequência dos sacramentos, aqueles nas esmolas. Enganam-se. A perfeição
consiste em amar a Deus de todo o coração. A pessoa que ama a Deus, só quer
fazer o que Lhe agrada e despreza tudo o que Lhe desagrada.”
Deus não cessa de manifestar o seu
amor por nós, ama-nos com loucura, que segundo Santa Catarina, Deus não cessa
de lançar flechas incandescentes de amor sobre nós a cada dia a cada momento.
Afinal, qual outra razão teria Deus de nos criar senão o amor? Criou-nos por
amor, amor tal que precede a nossa existência: “Com Amor eterno eu te amei.”
(Jr 31,3). Por isto, quer a todo instante atrair o amor dos homens e vejamos
tantos sinais que manifestam o amor de Deus por nós, como nossas faculdades,
nossos corpos, a natureza, a família, mas sobretudo deu-nos seu Filho.
Por muitas vezes nos enganamos,
deixamos-nos levar pela sensualidade das coisas, que foram sim criadas para que
nós desfrutássemos, entretanto, esquecemos que quem as criou, as criou por
amor, não exagero em dizer que a origem de todo o pecado está na ingratidão.
Lúcifer também era um ser divino e amado, mas esqueceu dos feitos do Senhor, da
ingratidão nasceu o orgulho, e deste veio à condenação. Nossa atitude deve ser
daquele velho monge que um dia passeando pelo jardim batia nas folhas, nas
flores com sua bengala, gritando para que elas se calassem porque elas o
acusavam de sua ingratidão ao amor de Deus. Se já somos ingratos porque não
admiramos a criação como obra do amor de Deus, imaginemos quando se trata do
amor que Jesus teve por nós.
Olhemos para nossa própria vida,
quantas amarguras trazemos em nossa memória, dores, pecados pesados,
inclinações que são frutos dos pecados passados, existem amarguras ou até mesmo
culpas que trazemos que como São Paulo nos apresenta é um verdadeiro anjo de
satanás a nos esbofetear, por vezes nos tornamos descrentes da misericórdia de
Deus e achamos até que Deus não pode perdoar tamanha ofensa que cometemos.
Neste ponto somos presas fáceis de nosso inimigo, pois julgamos a Deus a partir
do amor humano, o amor imperfeito aquele que ama o que merece ser amado, mas
grandeza do amor de Deus se caracteriza de amar aquilo que não merece amar
aquilo que parece estar condenado. É isso que São João nos escreve no seu
Evangelho “De tal forma Deus amou o mundo que nos Deus o seu filho para que
todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16) Deus
nos ama com loucura, abandonou seu filho para que nós não fossemos eternamente
abandonados. Pelo intenso amor que tem por nós, mandou que seu querido Filho
pagasse por nossos pecados.
São Paulo nos dizia: “O amor de
Cristo nos constrange” (IICor5,14), a palavra “constranger” carrega consigo
vários sentidos como: unir - comprimir, neste sentido o amor de Cristo nos
comprime junto ao seu coração, um outro sentido de obrigar- nos, isto é, o amor
de Cristo nos obriga a amá-lo de volta. Um terceiro sentido é o de nos
embaraçar, como que fazendo que sintamos vergonha de nossos pecados e de não
amá-lo como deveríamos. Mas, um sentido que é singular nesta palavra é o de
incomodar-se, de fato, o amor de Cristo deve nos incomodar, nos impelir para
que mais pessoas sintam esse amor, o amor de Cristo nos incomoda a fazer que
busquemos nos fazer semelhantes a Ele, pois é próprio do amor fazer a pessoa
que ama semelhante à pessoa amada.
Olhando para a Cruz de Cristo,
vendo com quanto amor suportou todo esse sofrimento, poderíamos perguntar quem
pôde levar Deus a morrer condenado numa cruz no meio de criminosos? Quem pode
fazer Deus ser humilhado de tal maneira? São Bernardo nos ajudará a responder –
“Foi o amor, o amor fez com que Deus esquecesse sua dignidade.”
Na carta aos romanos São Paulo nos
diz “o amor é o pleno cumprimento da lei” (Rm13, 10) a lei de Deus pede que o
amemos de todo coração, contudo, quem poderia deixar de amar um Deus que morreu
por amor a nós? Quem poderia negar que os pregos, as chagas, a cruz, o precioso
sangue escorrido clamam pelo nosso amor? No entanto, estamos aqui, porque não
correspondemos como deveríamos, poderíamos até afirmar que, por causa de nosso
esfriamento o sacrifício de Cristo foi em vão. Quanto a paixão de Cristo
deveria fazer arder o nosso coração, como dos discípulos de Emaús que quando
ouviram as palavras de Nosso senhor sentiram seus corações arder como brasas
incandescentes.
E por que os homens não se lançam
neste amor de Deus? Antes que Jesus viesse ao mundo poderíamos duvidar que Deus
de fato, nos amasse. Mas depois que o verbo se fez carne e suportou todos os
sofrimentos da cruz, a dúvida jamais deve habitar em nossos corações, nem mesmo
para aqueles que cometeram pecados tão grandes, deve haver dúvida de quanto
Deus os ama. Santo Tomás Vilanova dizia: “Olha aquela cruz, vede aqueles
sofrimentos, aquela morte cruel de Jesus por ti. Após tantas e tão grandes
provas de amor não podes duvidar que ele te ama e te ama muito.”
São João Crisóstomo dizia que,
quando uma pessoa é apoderada do amor de Deus, nela se produz um desejo
insaciável de trabalhar pela pessoa amada, que tudo o que faz para o Senhor lhe
é pouco, e, se fosse necessário morrer ou então consumir-se inteiramente por
Ele, de bom grado faria. Foi isso que sentiu Santa Teresa D’ávila certa vez
enquanto rezava, Jesus dizia a Ela: “Tudo o que não me agrada é vaidade.” Não é necessário ser rico neste mundo, nem
ter estima dos outros, levar a vida cômoda, ser reconhecido como sábio. A única
coisa que nos garantirá a vida eterna é amar a Deus e fazer sua vontade.
Portanto, a santidade não consiste
numa vida de austeridades, na frequência aos sacramentos, no dar esmolas, na
oração contínua. Somente o amor a Deus pode dar sentido a estas práticas. Que a
Virgem Santíssima gere nossos corações apaixonados por Jesus!
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